Que vida!
por Jorge C Ferreira
Quando se chega a uma idade como a minha, começamos a fazer exames a tudo e mais alguma coisa. Alguma coisa vai aparecer com valores fora do normal. Seguem-se exames e mais exames. Alguns são intrusivos, outros mais doces, mais suaves. Depois receitam-nos umas pílulas para aconchegarmos a doença.
Compreendemos então que aqueles aparelhos sofisticados têm de ser pagos. Os comprimidos são para a vida. Acartamos uma mala de drogas e passamos por aeroportos, portos e fronteiras terrestres sem sermos presos. São as drogas autorizadas.
Tenho o privilégio de poder ir aos privados. Tenho SAMS e MÉDIS, porque sempre trabalhei na banca. Comecei num banco pequeno e acabei num banco grande. Vi entrar o Sr. Engenheiro para um banco e foi com ele, na liderança de outro, que me reformei. As voltas que a vida dá. Entrei num banco da “opus dei”, sem saber de nada, e reformei-me noutro da mesma “obra”. Foi obra!
Tenho de afirmar, por ser verdade, que quando estive gravemente doente foi no SNS que fui tratado e bem. Temos de defender o SNS.
Quando entrei para o Banco era católico apostólico romano, ajudava à missa em latim. Saí agnóstico, digo agnóstico porque acho que ateu também é quase uma religião. Gosto da liberdade de pensar. De procurar o impossível. Gosto também muito de gostar, principalmente das pessoas. Gosto de todos vós que têm paciência para aturar estes meus textos.
Não sei se irei tomar a vacina com os mais velhos. Uma doença que carrego a isso me poderá dar direito. Esta já célebre vacina. Irei sem medo. Como já fiz com tanta coisa ao longo da vida. Espero paciente a minha vez. Não quero ultrapassar nenhuma pessoa. Não quero, nunca quis. Prezo-me de nunca ter pisado ninguém ao longo da minha vida. Fui ultrapassado e perdi regalias por motivos políticos e outros. Nunca me queixei. Quando lutamos por coisas maiores são preços a pagar. Não gosto de fazer parte de grupos ou facções. Os meus Amigos, são mesmo Amigos, não fazem parte de nenhuma lista de interesses.
Sabem uma coisa, estou a ficar velho. Comecei a trabalhar com 15 anos. Reformei-me após 36 anos de trabalho. Acharam que eu já era velho. Aceitei de imediato e disse para comigo: só irei trabalhar de novo se não tiver dinheiro para comer. Até agora tenho recebido a reforma a tempo e horas e a Isabel também. Para nós chega. Mas agora ando cansado com tudo isto. Este bicho não é o do Iran Costa. Este bicho é tramado, traiçoeiro. Já andamos nisto há mais de um ano. Não vejo, ainda, nada que me indique quando e como vamos sair disto.
Entretanto vamos sendo conduzidos por estreitos caminhos e fazendo as coisas ao postigo. Gosto desta palavra que foi resgatada de tempos antigos. Novo estado de emergência. Nova falsa discussão. Votam os mesmos de sempre e da mesma maneira.
Outra coisa que esta semana me fascinou foi a discussão sobre as sociedades secretas, agora chamadas discretas. O pessoal do avental e os sofredores do silício. Sempre ouvi dizer que dividiam o País ao meio. Que fazer agora? Isto está enraizado em todos os centros de poder. Há sempre uma mãozinha marota que se mete nos negócios. De quem? Não sei.
«Tu hoje estás de mais. Estás com a corda toda. Tem cuidado contigo.»
Fala da Isaurinda.
«Não disse mentira nenhuma. Disse? Estou a falar com os meus botões.»
Respondo.
«Não sei se os teus botões vão gostar disso. Põe-te fino.»
De novo Isaurinda e vai, a mão cheia de interrogações.
Jorge C Ferreira Março/2021(295)
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Fizeste-me lembrar o percurso do meu pai; começou a trabalhar aos 13, a consertar guarda-chuvas. O dinheiro era dado à mãe, sozinha, com dois filhos a cargo, sem conhecerem nem receberem nada do pai.
Aos 50 e tal reformou-se, muito contra a vontade da minha mãe. Mas ele antecipou-se ao que pressentia: a derrocada na marinha mercante.
Pior foi depois: em vez de ler e viajar, como sempre sonhara, a doença exilou-o para nenhures, dentro dele mesmo.
Para ti, para mim, para os que cá andamos, saturados, isto há-de passar.
Um abraço.
Obrigado Sofia. Eu também entregava o ordenado à minha Avó. Tive mais sorte que o teu Pai. Ainda consegui ler e viajar. Espero que tenhas razão e que isto passe. Beijinho
O sentir colectivo, assim creio,dito no pessoal, de forma espantosa. Assistimos a uma estranha e imperativa forma de estar,que tranfigura a nossa forma de ser; mesmo que à superfície. Mas tanto tempo nesta maneira de viver.,inóspitoa,sem contactos físicos não instalará um vazio no toque,na pele,uma transmutação na vivência dos afectos?
Assustador este extermínio biológico. Este vírus “traiçoeiro”.
Obrigado Isabel. Estamos a transformar-nos. Não sei que tempo nos espera. Acho que muita coisa vai mudar. Temo que não seja para melhor. Vamos resistir.
Isabel. Abraço
Esta vida que nos entardece, nos engilha…é isso, leva-nos a “dar” nas drogas legais, que, os “sábios” nos dizem fazer bem ás dores, mas, que nos destroi o fígado, mas, que eles não dizem!!
Velho que é isso? Escrever como o Jorge escreve, criando personagens tão diferentes…quem assim cria nunca envelhece, quem tem o poder de criar nunca envelhece, faz parte da sua condição de escritor!!
Ir ao postigo pedir um cafézito…que sabem daqueleles que viam o céu pelo postigo
Que o sol que tinham na alma escurecia e nada mais queriam a não ser um regalado amanhecer!!
mt
Obrigado Maria Teresa. Tão intenso e sentido o que escreve. Tão bom. As drogas que nos matam. Um grande abraço
Querido poeta.
Que cruzada de vida…
Quantas batalhas?
Quantas derrotas?
Quem seguiste?
Quem te escutou?
O que de ti ficará?
Sementes? Palavras? Vontades? Ideais nunca adiados? Descendentes?
Quimeras? Memórias?
Certamente que ergueste armas. Amaste e foste amado. Infringiste ditames. Mas também soubeste ser resiliente. Nos murais há quem leia o teu nome. Nada tens de incógnito.
Viajante. Divagaste. Cruzaste oceanos. Confiaste na orientação pelos astros em noites de lua cheia. Construiste estórias. Personagens por demais bizarras.
Enfrentas o agora. Com a mesma bravura de tantos outros. Com muitas reticências. Pontos de interrogação.
Apelidas-te de velho.
Um velho não tem a chama que ainda arde dentro de ti.
Deixa-se ficar. No sofá. Por detrás das cortinas. Boceja. Vê as notícias. Boceja. Não se interessa. Apático.
Boceja.
Que velho és tu que continua a ter o fulgor dos 20 anos, a lucidez dos 40, a sagacidade dos 50 e a ousadia dos 70?
Caramba, seja eu velha como tu!!! 💚
Obrigado Mena. Tão bom o que escreveste. A vida é uma passagem. Um sabor de emoções que vão variando. A vida a andar. Gostei tanto. Beijinho
Que belo texto, meu amigo!
Tão bonita é a tua história de vida. A tua mente nem no silêncio deve sossegar, porque carregas, sempre, algo importante a lembrar, sonhos e imagens felizes, mas também, imagens pesadas e sombrias. Tudo em ti é pretexto de palavras que amo ler e que me fazem reflectir.
Este tempo, Jorge, que estamos a viver e que nos veio trazer uma visão brusca da vida, vai-nos transformando por fora e por dentro. Um destes dias pus-me a observar, da minha janela, o dia cinzento de chuva intensa e pensei, é assim que vejo o meu futuro. No dia seguinte o Sol apareceu, e os meus pensamentos intrincados desapareceram. Em cada pedra do meu jardim, em cada árvore, em cada pássaro, vi pinceladas de côr e ternura.
A nossa geração já passou por tanto e sobrevivemos.
Abraço grande, Jorge.
Obrigado Manuela. Que bom o que escreveste. Avida que nos fez cruzar muitas vezes sem darmos por isso. Os sítios da cidade grande. Tanta aventura por fazer. Agora um mar que nos separa. Beijinhos minha amiga
Boa noite Jorge,
A tua escrita incita-nos a escrever , pois traz-nos memórias de viveres que associamos às tuas palavras. A diferença, é que tu sabes tão bem dizer tanto em tão pouco. E é maravilhoso continuares “com essa corda toda” . Mesmo que não escrevamos , deixas-nos a refletir. E isso é muito bom.
Beijinhos e obrigada
Cristina
Obrigado Cristina. Que bom que te incentive a escrever. Tentar dizer mais em cada vez menos. Beijinhos
Uns mais que outros, outros que se ultrapassam a si mesmos, um inesperado volte face nesta estranha forma de vida que todos vivemos. A vida oferece, a vida retira, não devemos queixar-nos, se o fizermos, basta a consciência alertar-nos que perto ou longe existem fronteiras de extrema pobreza onde em nome da religião e corrupção tudo vale…
A vacina, a heroína prometida, uns esperam, outros adiantam-se em prol de um qualquer estatuto, o ser humano na sua igual forma de sempre, uns e outros como sempre houve e haverá… Quanto se fala em reforma penso, apenas penso… quando chegar a minha vez (…) .Mais uma vez uma crónica de um antes e depois, afinal, a vida na sua melhor forma, uma roleta da sorte, uns e outros…Abraço meu amigo, continua a odisseia de nos protegermos, quem diria que os” Vampiros” nos sugavam a vida?…
Obrigado Cecília. Sempre belos textos. Os comentários a que responder só pode estragar. Como oensas bem. Tão bom. Beijinhos
Que lindo texto. Lindo testemunho de vida. Vida de verdade. Um privilégio que me é dado, por si querido escritor, que bom foi ouvi-lo falar com os seus botões. Gostei muito do elogio ao SNS a excelência dos profissionais de saúde, está lá. É lá que sempre fui assistida, nos momentos menos bons da minha vida.
Os exames são importantes, controlar é necessário só por isso. Não por velhice. A sua memória é prova disso
e a sua prosa e a sua poesia ajuda muito, os dias que continuamos a viver, não são fáceis. Enquanto o tal bicho não emigrar para onde não cause prejuízo. Querido poeta, continue a escrever a sua poesia, que por longos anos o faça. Sempre de consciência tranquila. Muito grata. Abraço grande.
Muito obrigado Maria Luiza, minha querida amiga. É tão gratificante ler os seus comentários. Temos de defender o SNS. Quando a situação é grave é lá que somos tratados. Abraço imenso
Felizmente, pertenço ao grupo de privilegiados, que lê os seus textos. Excelentes.
Numa fase da vida, em que a saúde me vai atraiçoando, procuro valorizar cada momento. O confinamento não tem ajudado. O fim está longe.
Ouvem-se noticias, entre verdadeiras e falsas. A guerra continua a assolar o mundo. Os pobres cada vez mais pobres. Luta-se pelo poder, pelos interesses. Até mesmo pelas vacinas.
Que mundo este meu amigo. Também tenho a felicidade de ser reformada, ter assistência pela ADSE, mas o SNS tem sido a minha tábua de salvação. Presto a minha homenagem ao SNS e aos seus profissionais.
A leitura é o meu refúgio. Ouvir e ver filhas e netos por vídeo chamada enche-me o coração. O meu companheiro de 47 anos é a minha força.
Vemo-nos habituando a esta nova forma de vida. Resistir é a palavra de ordem.
Obrigada, meu amigo, por continuar a estar desse lado.
Um abraço grande.
Obrigado Cecília. Sempre belos textos. Os comentários a que responder só pode estragar. Como oensas bem. Tão bom. Beijinhos
Obrigado Eulália. É sempre táo bom tê-la aqui tida a semana. Temos de usar todos os neios para ultrapassar este tempo danada. Temos de defender o SNS. A nossa tábua de salvação. Estar perto das pessoas e não lhes poder tocar. Um abraço enorme
T
Também achei graça ao regresso da palavra postigo embora não tenha feito nada por essa via. Não me dá jeito! Ou entro, ou não entro. Agora ficar ali à porta, irrita-me. E já deixei de beber café fora de casa há muitos anos. Só ainda o faço depois de uma refeição num restaurante. Mas como agora estão fechados, nem isso.
Só saio para o indispensável mesmo. Compras na Mercearia ou no Supermercado e as tais consultas/exames que referes para saber se as peças desta “engrenagem” precisam de conserto. Por enquanto parece que ainda continuam a funcionar…. E espero que ainda por mais algum tempo. Tal como tu também me reformei após 38 anos de trabalho. Mas entretanto o mundo parou. E a vida parece parada, só que o tempo não pára!
Espero que não tenhamos que esperar muito mais para termos as nossas vidas de volta. Estamos todos cansados!
Boa semana, meu Amigo.
Obrigado Maria. Eu sou cliente do postigo. A livraria está aberta. É local obrigatório de passagem. Tens razão, minha Amiga, isto cansa. Boa Páscoa. Beijinhos